A resposta poderia começar com uma explicação bem direta: porque está na lei Nº 12.244, promulgada em 2010. Mas a legislação para bibliotecas escolares é apenas o fim de uma longa história por trás do direito ao livro. É preciso, sobretudo, compreender o direito à arte, à cultura e à informação que as bibliotecas proporcionam e o papel da escola nesse cenário.

Apesar de sermos um País democrático, há pouca democracia no acesso a espaços culturais, muitas vezes reservados a grupos sociais com maior poder aquisitivo ou onde a mobilidade seja mais fácil, como nos grandes centros urbanos. Segundo dados do IBGE de 2015, poucas cidades brasileiras dispõem de museus (37%), teatros (23,4%) ou cinemas (10,5%).

O mundo digital, apesar da potência para disseminar cultura e conhecimento, também está distante de boa parte das crianças e jovens de escolas públicas devido à má qualidade do acesso à internet e da falta de preparo para lidar com a cultura digital. Apenas 56% das escolas públicas utilizam os laboratórios de informática disponíveis, de acordo com a recém divulgada pesquisa TIC Educação 2016.

Outro dado interessante é o da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2015 que aponta que 30% da população brasileira nunca comprou um livro. Isso é compreensível, dado que, por uma série de fatores que vão desde as pequenas tiragens até o custo da matéria-prima, o livro ainda é artigo de luxo por aqui.

É nessa aridez de circulação de ideias e arte, portanto, que as bibliotecas escolares surgem não apenas como equipamentos fundamentais para o incentivo ao hábito da leitura como também espaço de contato com diferentes suportes tecnológicos e diversidade cultural, como pontua Sandra Medrano, coordenadora pedagógica da Comunidade Educativa CEDAC.

Os dois modelos presentes nas escolas brasileiras são as salas de leitura e as bibliotecas. O primeiro não exige bibliotecário e o segundo, sim. Independentemente disso, os dois funcionam como canais de promoção da leitura e da cultura e devem estar presentes em todos os estabelecimentos de ensino. Mas não é isso o que acontece. Segundo dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica, do Todos Pela Educação, em parceria com a Editora Moderna, apenas 13,3% das pré-escolas têm salas de leitura; 46,4% das escolas de Ensino Fundamental têm bibliotecas ou salas de leitura; no Ensino Médio, o índice é de 86,5%.

Além disso, ter o espaço não é tudo. Dada sua centralidade na democratização do saber e da fruição estética, as bibliotecas ou salas de leitura precisam contar com acervos, equipamentos e profissionais de qualidade. Medrano descreve algo que em nada lembra o modelo que vem à mente de muitos quando se fala de bibliotecas:

– Deve ter uma variedade de materiais impressos e digitais: livros, revistas, jornais, gibis, folhetos, fanzines, considerando a diversidade de gêneros e a diversidade da produção.

– Deve contar com meios para acesso às produções e às novas formas de leitura, computadores, tablets, leitores digitais e com formas para produção e compartilhamento de informações, como projetores, filmadoras, copiadoras, máquinas fotográficas etc.

– É preciso contar com uma equipe de profissionais formada e consciente de suas atribuições como mediadores e formadores de leitores. Profissionais que possam criar e propor atividades de exploração e apropriação dos acervos e também de buscas de novas fontes, que formem estudantes interessados pela informação.

– O local também deve contar com espaço para exposição e acesso facilitado aos acervos (físicos e digitais) e equipamentos, mobiliário que permita o manuseio.

Dessa maneira, não se trata de juntar num canto uma série de livros que logo se transformam em depósito de poeira. Christine Fontelles, outra especialista no assunto e fundadora do Movimento Por um Brasil Literário, além de endossar todos os pontos levantados por Medrano também destaca a importância da abertura das bibliotecas escolares à comunidade. Esse equipamento deve permitir que os livros circulem entre alunos e pais (seja via empréstimo, seja em atividades de compartilhamento de leitura), fortalecendo uma comunidade leitora mais ampla. Na cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo, acontece uma experiência inspiradora.

A rede municipal de ensino oferta, desde 2007, as Bibliotecas Escolares Interativas (BEIS) que abrem uma vez por semana para que pais e vizinhos possam utilizar o espaço e fazer empréstimos.

A sala de leitura ou biblioteca também deve estar orientada ao público que ela atende, é o que pontua Fontelles, fornecendo um acervo com obras que atendam à demanda dos frequentadores – por exemplo: oferta de gibis e mangás para um público juvenil – e organizado de maneira a facilitar o acesso – por exemplo:  acervos com sessões separadas por cores.

Caso a escola de sua comunidade não tenha biblioteca ou o potencial da existente esteja sendo mal explorado, fale com a direção da escola. Vale ressaltar que as creches e pré-escolas também devem possuir salas de leitura ou bibliotecas, pois a cultura escrita não tem idade e quanto mais cedo o contato com ela maiores as chances de desenvolver bem o hábito leitor.

Como foi citado no início do texto, a biblioteca escolar é assegurada em lei e deve ser universalizada até 2020. Apesar disso, nem mesmo o Governo Federal, responsável pela compra dos acervos, tem colocado esses equipamentos em sua lista de prioridades. Desde 2013, o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) está paralisado e não compra livros.

Sociedade e poder público devem trabalhar juntos pela universalização e garantia de qualidade das bibliotecas escolares e salas de leitura. Negligenciá-las é negar uma Educação Integral, o direito à arte e à cultura.

Fonte: O Globo
Foto: Reprodução

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