Era digital: Suprema Corte dos EUA compara smartphone à tornozeleira eletrônica
No atual estágio da era digital, quase todos os cidadãos usam uma espécie de tornozeleira eletrônica: o smartphone. Nos EUA, são 396 milhões de smartphones para 326 milhões de habitantes. O smartphone não tem a precisão de um GPS para localizar o paradeiro de uma pessoa. Mas a polícia pode localizar a área onde uma pessoa está e onde esteve em um período de cinco anos — incluindo se ela esteve em áreas onde uma sequência de crimes foi cometida, em determinadas datas e horários.
Essa foi uma das explicações dadas no voto da maioria dos ministros da Suprema Corte dos EUA para decidir que a polícia só pode obter de uma operadora dados de localização de um celular sob supervisão judicial — isto é, com mandado judicial. Ao solicitar um mandado, para justificar o pedido, a polícia tem de convencer o juiz de que há uma “causa provável” de que um crime ocorreu ou está em andamento.
De outra forma, a polícia teria capacidade de bisbilhotar a vida de qualquer cidadão. “Um telefone celular é quase parte da anatomia humana. Como as pessoas estão sempre com o celular por perto, ele rastreia quase todos os movimentos de seus donos. Ao contrário do GPS que fica no carro, ele segue as pessoas por vias públicas, por residências privadas, consultórios médicos, comitês políticos e até mesmo lugares possivelmente comprometedores. O Estado pode fazer uma vigilância quase perfeita de qualquer pessoa, como se ela estivesse usando uma tornozeleira eletrônica”, diz a decisão.
Com essa ferramenta tão eficiente, investigadores e promotores provaram, em 2011, que Timothy Carpenter, que comandava um grupo de ladrões, estava na área de nove lojas diferentes da Radio Shack e da TMobile (que, aliás, vende smartphones), em Detroit, no dia e no horário em que elas foram roubadas.
Esse foi o fator decisivo para a condenação de Carpenter e alguns de seus comparsas. No julgamento, o agente do FBI Christopher Hess explicou, segundo a decisão, que todas as vezes que um celular se conecta com uma antena de rádio, chamada de cell site, a operadora da rede wireless gera um registro da antena e de um setor particular em que o celular esteve. Isso se chama “informação da localização da cell-site (CSLI – cell-site location information). Com essas informações, o FBI produziu mapas, que colocaram Carpenter nas áreas dos roubos, nos dias em que eles aconteceram.
Mas o FBI não obteve um mandado judicial para obrigar a operadora a fornecer os dados de localização do celular de Carpenter. Em vez disso, pediu à operadora para liberar tais dados com base na Lei das Comunicações Armazenadas. A Suprema Corte disse que essa lei não é suficiente para garantir a proteção constitucional ao réu contra buscas e apreensões não razoáveis, porque, de uma maneira geral, ela não requer que as forças de segurança a obtenham com base “causa provável” de um crime.
O voto vencedor assegura que a Constituição garante ao indivíduo uma expectativa à privacidade, que deve ser respeitada pelas forças de segurança. Mas, vencidos por 5 votos a 4, os ministros dissidentes afirmam que não há expectativa de privacidade quando o proprietário de um smartphone compartilha seus dados com a operadora de telefonia wireless— um princípio que ficou conhecido na jurisprudência dos EUA como “doutrina da terceira parte” (third-party doctrine).
Porém, o voto vencedor argumenta que a doutrina da terceira parte não se aplica nesse caso, porque os dados não são realmente “compartilhados” com a operadora, no sentido comum da palavra. Em vez disso, os usuários de celular são obrigados a ceder os dados às operadoras de telefonia celular, porque é assim que o sistema funciona — e se quiserem usar os serviços das operadoras, que coletam esses dados para fins comerciais.
Acima disso, o cidadão tem direito à proteção constitucional contra buscas e apreensões sem mandado judicial, baseado em “causa provável”, mesmo que seus dados terminem em poder de terceiros.
Exceções à regra
A Suprema Corte explicou que há exceções à regra — ou seja, que os órgãos de segurança não precisam obter um mandado judicial em casos de urgência ou de emergência. Exemplos disso são casos de sequestro de criança, tiroteios, ameaças de bombas, perseguição de um suspeito de crime em fuga, proteção de uma pessoa sob ameaça iminente de sofrer danos ou de impedir a destruição iminente de provas.
Fonte: Site Consultor Jurídico
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